Foto: https://algrasp.com.br/academicos/paulo-de-souza-ramos
PAULO DE SOUZA RAMOS
( Brasil – São Paulo )
Membro da Academia da Grande São Paulo.
Patrono: Guimarães Rosa - Cadeira 40
CADERNO DE POESIA - II. Santo André, SP: Clube de Poesia de S. André, 1954. 90 p. 15,5 X 22,5 cm. Ex. bibl. Antonio Miranda.
Receios
Desde cedo se pôs em borborinho
a casa toda, a preparar a festa.
Pela tardinha a mesa cheia atesta
que para ela não faltou carinho.
Ainda assustada como um passarinho
a noiva. O noivo, a enxugar a testa,
de pé, num canto, tímido protesta
contra os sapatos, contra o colarinho.
O dia esvai-se. A noite desce, quente.
Com apertos de mão, discretamente,
os convidados se retiram cedo.
Vão-se, e enquanto se esvazia a casa,
a noiva, inquieta, com o rosto em brasa,
cochicha para a irmã: Estou com medo...
Rompimento
Não vás! as flores que trouxeste
não murcharam ainda. Vê: estrelas
inda brilham na abóbada celeste.
As horas vão-se... É tão difícil tê-las
somente para nós, assim toldadas
por certeza de não poder detê-las!
Ardem velas, assim, inacabadas,
no candelabro, e entre nós persiste
o silêncio de coisas não faladas.
Queres partir. Este silêncio triste
vencer-nos-á e vencerá o quanto
com sorrisos e lágrimas sentiste.
Envolve-nos. Ah! flores frágeis, pranto
de velas a morrer, luzem sem alma,
horas inúteis, vós bailais, enquanto
a morte lenta, na aparente calma,
de risos, vozes, lágrimas e olhares
a mim me punge e a outro alguém desalma.
Vai. Amanhece. Paira já nos ares
pálida luz. Ficam aqui as flores,
teus beijos, meus cuidados e pesares.
A carta
Há quanto tempo não nos vemos?
Há milênios.
De teus olhos, de teus beijos,
Da carícia de tuas mãos,
já torturou-me a lembrança.
Em palavras ciciadas,
em gestos inacabados,
já houve um dia esperança.
Há quanto tempo não nos vemos?
Há milênios.
Hoje chegou tua carta.
Ah! Foi como se surgisses
diante de mim de repente!
As lembranças desmaiadas
e quanto fora esperança
tomaram forma candente.
Há quanto tempo não nos vemos?
Há minutos.
Mas este arroubo tardio,
Como a chama da candeia
no brilho se devorou
Que resta? Leve lembrança
de quanto esperança fora
e esta carta que ficou.
Há quanto tempo não nos vemos?
Há milênios.
*
Veja e Leia outros poetas de SÃO PAULO em nosso Portal:
http://www.antoniomiranda.com.br/poesia_brasis/sao_paulo/sao_paulo.html
Página publicada em novembro de 2022
|